Um Olhar sobre uma Realidade Despercebida
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição que afeta pessoas de todas as idades, gêneros e origens étnicas. No entanto, existe uma lacuna significativa na identificação e diagnóstico de mulheres autistas, muitas das quais passam despercebidas até a idade adulta. Neste texto, exploraremos as razões por trás do diagnóstico tardio em mulheres autistas e seu impacto.
O autismo é uma condição que afeta todas as áreas da vida do indivíduo e que se manifesta desde o início da vida. Apresenta sinais e sintomas como: dificuldades com interação social, questões alimentares, hipo ou hipersensibilidade à estímulos, entre outros. Todavia, em alguns casos pode passar despercebido durante todo o período de desenvolvimento, recebendo o diagnóstico já na fase adulta.
O diagnóstico de autismo tardio em mulheres é um tema que tem repercutido atualmente, seja em redes sociais ou em portais de notícia, alguns dos motivos são: maior exposição de mulheres autistas nas redes sociais, as quais, através de seus perfis falam sobre sua condição, suas características e desafios enfrentados. Um outro motivo é, mulheres famosas (artistas, cantoras, atrizes), receberam diagnóstico de autismo, fato largamente noticiado que despertou a curiosidade de muitas pessoas.
Precisamos levar em consideração que até alguns anos pouco se falava sobre autismo e quando, as informações eram voltadas para sinais e sintomas em crianças, em especial em meninos. Uma das possíveis causas é que os primeiros estudos sobre o tema eram voltados ao comportamento masculino.
Pesquisa realizada pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), no ano de 2021 apontou que, os diagnósticos de autismo em crianças de 8 anos eram de 4 meninos para 1 menina, inclusive esse foi um dos motivos pelos quais as campanhas, símbolos e nomes utilizados para referenciar o autismo utilizam majoritariamente a cor azul, prática que tem sido debatida por alguns autistas, que afirmam que ater-se a cor azul acaba por fortalecer estereótipos de gênero e invisibiliza mulheres dentro do espectro.
Relatórios do CDC apontam para um aumento substancial no número de diagnósticos de autismo em crianças de 8 anos, sendo: 1 a cada 150 em 2004, 1 para 88 em 2012, 1 em 59 em 2018, 1 em 54 em 2020, 1 em cada 44 em 2021 e 1 em cada 36 em 2022. Apesar dos dados acima citados, quando se trata de diagnostico em meninas pouca coisa mudou, sendo registrados 3,8 diagnósticos para meninos para 1 diagnóstico para meninas.
Diversas causas podem estar associadas à diferença de números de diagnósticos entre meninos e meninas, uma delas pode ser: alguns sinais e sintomas do autismo podem ser vistos como comportamentos aceitáveis e até desejáveis quando apresentados por pessoas do sexo feminino (“ela é tão tímida”, “tão caldinha”, “tão comportada”), quando a timidez ou preferência por brincar sozinha pode ser sintoma de um déficit de interação social.
A comunicação com o outro é uma questão importante enfrentada por pessoas autistas, pois a comunicar-se é uma relação de troca de mensagens entre um emissor, que transmite a mensagem, e um receptor, que a interpreta. O objetivo é alcançar uma compreensão mútua entre as partes, facilitando a transmissão eficaz de informações e ideias. Precisamos lembrar que déficits na interação social é uma das principais características do autismo.
Pessoas autistas frequentemente enfrentam dificuldades na interação social devido a diferenças neurobiológicas que afetam a compreensão de pistas sociais e a comunicação não verbal, tornando complexos os aspectos sutis e não literais das interações sociais. Por outro lado, a comunicação da pessoa autista, mais direta e literal, pode ser interpretada de forma equivocada ou até soar grosseira para uma pessoa neurotípica (pessoa não autista).
A pessoa autista, sem conhecimento de sua condição e sem as intervenções e adaptações necessárias, ao longo da vida acaba por desenvolver estratégias para lidar com as demandas sociais, seja para tentar se encaixar num padrão de comportamento social desejado ou para evitar possíveis represálias sociais por seu comportamento atípico, o que é chamado de masking, que nada mais é do que mascarar as características autísticas. A prática do masking acaba por sobrecarregar a pessoa autista, que precisa controlar movimentos, tom de voz, expressão facial, disfarçar incômodos, enquanto tentar interpretar e corresponder ao comportamento do outro o que pode acabar resultando em episódios de exaustão.
Por que o diagnóstico tardio?
1. Estereótipos de Gênero: A sociedade muitas vezes espera que as mulheres sejam sociais, empáticas e comunicativas. Mulheres autistas podem mascarar seus comportamentos autistas para se encaixarem nessas normas sociais, tornando seus
traços autistas menos visíveis.
2. Diferenças nos Sintomas: Os sintomas do autismo podem se manifestar de maneira diferente em mulheres. Por exemplo, em vez de agitação e hiperatividade, podem apresentar ansiedade social extrema ou interesses intensos e focados, como por
exemplo: se dedicarem profundamente ao estudo da biologia marinha, se destacarem na programação de informática ou demonstrar paixão pela criação de arte abstrata, refletindo uma gama diversificada de habilidades.
3. Profissionais de Saúde Mal-informados: Muitos profissionais de saúde não estão bem informados sobre como o autismo se manifesta em mulheres, levando a diagnósticos incorretos ou atrasados. Atualmente a visibilidade de casos de autismo em mulheres
tem aumentado, mas ainda é necessário que se desenvolvam mais estudos aprofundados.
4. Estigma e Autoconceito: O estigma em torno do autismo pode ser particularmente difícil para as mulheres, que podem lutar com problemas de autoestima e identidade devido à diferença percebida em relação às normas sociais, que podem se sentir
pressionadas a mascarar seus sintomas.
Impacto do Diagnóstico Tardio
1. Acesso Limitado a Apoio: Um diagnóstico tardio pode privar as mulheres autistas do apoio e intervenções precoces que podem melhorar sua qualidade de vida.
2. Saúde Mental: Muitas mulheres autistas enfrentam desafios de saúde mental, como ansiedade e depressão, que podem ser exacerbados pela falta de compreensão de seu autismo.
3. Identidade e Aceitação: O diagnóstico tardio pode desencadear uma jornada de autoconhecimento e aceitação, mas também pode ser acompanhado de lutas emocionais e a necessidade de reconstruir a identidade, que acaba sendo confundida
com o mascaramento dos sintomas.
O diagnóstico em mulheres autistas é de extrema importância, pois muitas vezes elas enfrentam desafios específicos que passam despercebidos por anos. Reconhecer o autismo nessas mulheres se torna possível o acesso a apoio, compreensão e intervenções adaptadas às suas necessidades individuais.
O acesso ao diagnóstico não apenas proporciona uma melhora em sua qualidade de vida, mas também ajuda a lidar com problemas de saúde mental frequentemente associados ao diagnóstico tardio. Além disso, o diagnóstico valida suas experiências, ajudando a entender melhor sua identidade e a encontrar um senso de pertencimento em uma sociedade que muitas vezes tem uma visão estereotipada do autismo.
Um outro fator importante, o diagnóstico do autismo em mulheres é crucial para a pesquisa e compreensão mais profunda desta condição. Ao considerar as manifestações únicas do autismo no gênero feminino, os cientistas e profissionais de saúde podem aprimorar suas abordagens diagnósticas e psicoterapêuticas. Isso, por sua vez, contribui para o conhecimento geral sobre o espectro do autismo e ajuda a eliminar os estigmas e os equívocos que cercam o autismo em mulheres.
À medida que continuamos a aumentar a conscientização sobre o autismo e suas diferentes expressões, o diagnóstico do autismo em mulheres não é apenas um ato de reconhecimento, mas um passo importante na direção à inclusão e ao apoio pleno para todos os indivíduos, independentemente de seu gênero.
Reconhecer e diagnosticar o autismo em mulheres é crucial. Profissionais de saúde devem ser treinados para identificar o autismo, independentemente do gênero, e as comunidades devem ser inclusivas e acolhedoras, para isso o acesso à informação possui papel fundamental. É importante que sejam realizados mais estudos voltados para esses casos para que profissionais de todas as áreas possam oferecer intervenções eficazes e consequentemente a melhora na qualidade de vida dessas mulheres.
O diagnóstico tardio em mulheres autistas é uma realidade que precisa ser abordada. Compreender as razões por trás desse fenômeno e os impactos que acarreta é um passo crucial para o apoio e a aceitação de mulheres autistas em nossa sociedade. É fundamental trabalhar juntos para garantir que todas as pessoas com autismo, independentemente de seu gênero, tenham acesso ao diagnóstico e ao apoio de que precisam e assim possa desenvolver todo seu potencial e ter acesso a intervenções, recursos e políticas públicas necessários para a melhoria de sua qualidade de vida.