Descubra como o Cérebro se Regenera e Reorganiza
Por muito tempo, os danos cerebrais eram vistos como irreversíveis. Uma vez lesionado o cérebro jamais se recuperaria. No entanto, avanços científicos e tecnológicos levaram a uma nova compreensão do cérebro e à descoberta da plasticidade neural, fenômeno que transformou nossa visão sobre a capacidade de reabilitação do cérebro. Conheça mais sobre o tema no decorrer do texto.
O que é Plasticidade Neural?
A plasticidade neural, nada mais é do que a capacidade do cérebro formar novas conexões sinápticas entre neurônios, como resultado das experiências e pelos novos comportamentos aprendidos, viabilizando a adaptação reorganização cerebral, por meio da aprendizagem de novos comportamentos, o resultando em um desenvolvimento contínuo. A neuroplasticidade não ocorre somente em pessoas com lesões neurológicas, esse processo ocorre a todo tempo, em todas as pessoas e em todas as fases do desenvolvimento.
O grau de plasticidade neural varia com a idade do indivíduo. Durante o desenvolvimento, o sistema nervoso é mais moldável (plástico), principalmente nas fases denominadas de períodos críticos, em que o Sistema Nervoso Central (SNC) é mais suscetível a transformações. Períodos críticos (ou janelas de oportunidade) são fases de desenvolvimento, nas quais algumas conexões neurais estão mais suscetíveis à aprendizagem. Nesse período há aumento da potencialidade de desenvolvimento.
Esse fenômeno desafia a ideia de que o cérebro não pode modificar-se, pois a plasticidade neural demonstra que as funções e estruturas do Sistema Nervoso Central (SNC) podem adaptar-se a diferentes estímulos e assim recuperar e até adotar funções de outras áreas do cérebro através da aprendizagem e do treinamento.
Aprendizado e Reabilitação
A plasticidade neural e a aprendizagem são fenômenos intrinsecamente relacionados e ao desenvolvimento das funções neuropsicológicas e motoras. Cada novo comportamento aprendido desde o nascimento até a fase adulta resulta no fortalecimento de conexões neurais, as quais se tornam mais fortes à medida em que a mesma atividade é realizada repetidamente.
Em outras palavras, quanto mais determinada tarefa é realizada mais fortes se tornam as conexões neurais relacionadas àquela atividade, quanto mais fortes essas conexões, mais fácil se torna a execução daquele comportamento, isso se chama de aprendizagem.
Estimular o cérebro ao longo da vida, seja por meio de psicoterapia, exercícios específicos ou treinamento, é fundamental para manter um nível de funcionamento cerebral satisfatório.
O Caso Phineas Gage
Um famoso caso de adaptação cerebral é o de Phineas Gage. Um operário de ferrovias estadunidense, de 25 anos, que em 1848 sofreu um grave acidente enquanto trabalhava na construção de trilhos. Uma explosão acidental fez com que uma barra de ferro de quase 1 metro de comprimento e 3 cm de diâmetro penetrasse seu crânio, atravessando e destruindo parte do lobo frontal do seu cérebro.
Phineas Gage sobreviveu ao acidente, mas sua personalidade e comportamento mudaram completamente. Antes do acidente, Gage era descrito como um homem confiável e respeitador, mas após o acidente, passou a se comportar de forma impulsiva e grosseira. Essa modificação afetou toda sua vida, incluindo as áreas social e profissional, pois sua capacidade de se adequar socialmente foi completamente comprometida.
Esse caso nos mostra como o cérebro pode se adaptar a lesões. Pois mesmo que ele tenha sofrido danos irreversíveis em uma parte do lobo frontal, as outras áreas do cérebro compensaram esses danos, permitindo que ele sobrevivesse e se adaptasse a uma nova forma de funcionamento, apesar das notáveis alterações em sua personalidade. Essa adaptação é um exemplo de como a plasticidade neural influencia como o cérebro se recupera e se adapta após lesões cerebrais.
Desafios e Oportunidades em Doenças Neurológicas
Doenças do SNC, como acidente vascular cerebral, Alzheimer, Parkinson e lesões na medula espinhal, costumam ser consideradas irreversíveis. No entanto, a plasticidade neural oferece uma nova esperança á medida em que, em casos como esses, a depender do prognóstico e das intervenções neuropsicológicas aplicadas, células nervosas próximas a áreas lesionadas podem assumir parte das funções perdidas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. Em todo caso é preciso levar em consideração que a recuperação depende de vários fatores, entre eles a idade do paciente, a localização da lesão e a qualidade do atendimento inicial após a lesão.
Embora a plasticidade neuronal, seja um fenômeno notável, ainda precisamos nos aprofundar e desenvolver mais estudos para compreender melhor esse fenômeno, pois diferentemente do sistema nervoso periférico, o SNC enfrenta desafios na regeneração de lesões, o que torna a recuperação funcional mais complexa.
Compreender a neuroplasticidade abre portas para novos tratamentos e intervenções em casos de doenças neurológicas A ideia de que o cérebro é moldável e adaptável traz esperança para pessoas que antes não viam possibilidades de recuperação.
Nos últimos anos, pesquisas sobre neuroplasticidade tem crescido, trazendo novas descobertas e aplicações práticas. Algumas das descobertas mais recentes incluem:
- Envelhecimento: Estudos têm demonstrado que a neuroplasticidade não ocorre somente na infância e na juventude, mas continua ocorrendo ao longo da vida adulta e na velhice. Intervenções específicas, como treinamento cognitivo e exercício físico, podem melhorar a plasticidade cerebral em adultos e idosos, contribuindo para a manutenção e preservação das funções cognitivas.
- Neuroplasticidade e saúde mental: Pesquisas recentes têm investigado a relação entre a neuroplasticidade e condições como depressão, ansiedade, esquizofrenia e transtorno do espectro autista (TEA). As descobertas mostram que com a intervenção adequada, quadros psicopatológicos e/ou de neurodesenvolvimento atípico podem ter um melhor prognóstico à medida em que o fortalecimento das conexões neuronais, resultantes da aprendizagem de comportamentos e habilidades funcionais, fornece aos pacientes/clientes repertórios adaptativos e assim, possibilitam uma melhora no quadro geral e na qualidade de vida.
- Neurogênese adulta: Um processo pelo qual novos neurônios são gerados no cérebro adulto, principalmente na região do hipocampo, que está envolvida na aprendizagem e na memória, contrariando a ideia de que neurônios são gerados apenas na infância. Dessa forma, podemos descartar aquela antiga crença de que uma pessoa mais velha não pode aprender ou mudar seus hábitos.
- Neuroplasticidade em cegos leitores de braille: Estudos mostram que, em cegos leitores de braille, a área de cortical motora do dedo “leitor” era sempre maior do que a do dedo contralateral e do que aquela observada no córtex de cegos que não liam braille ou de voluntários com visão preservada. Sugerindo que a leitura em Braille pode levar a uma reorganização do córtex cerebral, aumentando a área de representação cortical motora do dedo usado para ler.
As descobertas sobre a neuroplasticidade estão impulsionando o desenvolvimento de possíveis estratégias psicoterapêuticas para o tratamento de doenças neurodegenerativas e a recuperação de áreas lesionadas, assim como trazendo um novo olhar sobre questões psicológicas e comportamentais. Essas descobertas abrem portas para a possibilidade de uma melhor qualidade de vida para indivíduos afetados por essas condições, além de desafiar concepções antigas sobre a irreversibilidade de danos cerebrais, transtornos mentais e padrões de comportamento enraizados, promovendo uma perspectiva mais otimista e sobre a capacidade do cérebro humano de se adaptar, se recuperar, aprender e reaprender.
A plasticidade neural é um fenômeno fascinante que desafia a antiga crença de que os danos cerebrais são irreversíveis e comportamentos mantidos a longo tempo não podem ser modificados. À medida que continuamos a compreender a plasticidade neural, somos apresentados a inúmeras possibilidades na área de reabilitação neuropsicológica. A capacidade de mudança e adaptação cerebral é uma prova que é possível reaprender e se reinventar.