Quem cuida de quem cuida? A importância do acolhimento de mães de crianças autistas

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Ser mãe é padecer no paraíso, assim diz a sabedoria popular. Não é segredo que a maternidade envolve diversos sacrifícios como: dedicação em tempo integral e noites mal dormidas, mas quando se fala de mães de crianças autistas tudo isso pode ser elevado a enésima potência.

O texto a seguir se propõe a trazer reflexões acerca da importância do acolhimento a mães de pessoas no espectro autista.

 

O autismo é um Transtorno do Neurodesenvolvimento que tem como principais sintomas déficits significativos na interação social, na comunicação verbal e não verbal, podendo incluir, ou não, atraso ou ausência de fala, e no comportamento, o qual se mostra restritivo e/ou ritualístico. Esses, entre outros sintomas, estão presentes dede o início da vida e acabam por interferir na aquisição de comportamentos e habilidades importantes para a adaptação do indivíduo no ambiente em que está inserido, no desenvolvimento de sua autonomia, no seu desempenho escolar e integração social.

Além dos sintomas anteriormente citados alguns outros podem exercer grande influência no comportamento desses indivíduos, como é o caso das questões sensoriais, as quais fazem com que o autista experencie de forma mais ou menos intensa estímulos externos, resultando em situações como alta sensibilidade à luz, sons, cheiros, temperatura, em casos de hipersensibilidade, ou pouca sensibilidade a dor, a cheiros ou sons ou sabores intensos, em casos de hiposensibilidade.

Uma pessoa autista hipersensível a sabores, texturas, ou cheiros de alimentos pode, por exemplo, acabar por se tornar seletiva quanto à alimentação, limitando a quantidade e variedade de alimentos ingeridos, podendo desenvolver problemas de saúde. Por outro lado, quando hiposensível, os mesmos podem acabar se machucando e não se dando conta.

Algumas outras questões importantes são, questões relacionadas ao sono, incluindo sono agitado ou poucas horas de sono e a falta de noção de perigo, seja relacionada a pessoas ou locais potencialmente perigosos. Somado a tudo isso, é possível que esses indivíduos sintam necessidades ou desconfortos, os quais não sabem identificar ou comunicar, devido ao déficit de habilidades de comunicação, resultando em crises.

São inúmeros os desafios que a pessoa autista experimenta, interna e principalmente externamente. O preconceito direcionado as pessoas autistas acaba por dificultar a participação dessas pessoas em ambientes sociais, por vezes sucedendo em episódios de Bullying, humilhações e isolamento por partes das pessoas à volta e por outras, acarretando na subestimação das capacidades da pessoa autista, a qual é lida automaticamente como frágil e incapaz.

As dificuldades enfrentadas pela pessoa autista não são vividas apenas por ela, sendo experimentadas de forma direta ou indireta pelos seus cuidadores, os quais, em sua grande maioria são as mães.

 

Cobranças internas e externas

 

Apesar das recentes mudanças na direção de uma maior participação dos pais na educação e cuidados dos filhos, a “obrigação” ainda continua sendo vista socialmente como algo atrelado à maternidade. Assim, não é incomum que as mães sejam as principais responsáveis pelos filhos, sejam mães solo, ou não. Em casos como o de crianças autistas, que não respondem aos métodos de educação como o esperado, a cobrança acaba por se tornar uma constante, pois os comportamentos característicos do autismo podem ser lidos pelas pessoas à volta, e até mesmo por essas mães como uma ineficiência em sua forma de educar.

 

Dupla ou tripla jornada

 

A dupla ou tripla jornada não é novidade para grande parte das mulheres mães, as quais, por vezes precisam trabalhar fora e cuidar dos filhos e da casa. Circunstância que pode ou não estar atrelada a uma possível condição de maternidade solo. Todavia, quando falamos de mães de autistas é preciso levar em consideração que, além dos desafios vivenciados na maternidade, essas mulheres precisam lidar com idas a terapias dos filhos, atividades em casa para reforço dos comportamentos e habilidades aprendidos nos atendimentos multidisciplinares, manejo dos comportamentos inadequados, estar atentas à possíveis fatores desencadeantes de crises e situações de perigo. Algumas dessas mulheres acabam por deixar de lado a vida profissional e social para se dedicar exclusivamente aos cuidados do filho.

 

Fata de rede de apoio, ou rede de apoio ineficiente

 

Com dito anteriormente, apesar das mudanças atuais, o cuidado e educação dos filhos ainda hoje são vistos socialmente como algo de responsabilidade materna, restando aos pais o lugar daquele que “ajuda”. É importante destacar que muitas dessas mães acabam por ser abandonadas por seus companheiros. Segundo dados divulgados pelo instituto Baresi em 2012, no Brasil 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiência antes dos filhos completarem 5 anos. Ainda não se tem dados específicos sobre casos de abandono por pais de autistas, todavia, quando se fala de crianças com deficiência, autistas estão inclusos, mesmo se tratando de uma deficiência invisível.

 

Falta de tempo para si

 

O acúmulo de funções e a dedicação, quase que exclusiva, para garantir que seus filhos tenham acesso a um tratamento digno, podem fazer com que essas mulheres deixem suas próprias necessidades de lado. Circunstância potencializada a depender da idade do filho e do nível de suporte que o mesmo necessita. Algumas mulheres acabam por se ver obrigadas a abandonar a carreira, vida social, estudos e atividades de autocuidado, para se dedicar integralmente aos filhos, que necessitam de um nível de apoio superior ao de uma criança neurotípica (com o desenvolvimento neurológico típico), seja com relação à ida aos tratamentos, seja com as atividades diárias.

 

Saúde física e psicológica

 

Diante das circunstâncias anteriormente expostas não é de se espantar que essas mulheres acabem por ter sua saúde física e psicológica afetadas, inclusive esse tema já foi alvo de algumas pesquisas.

Estudo realizado pelo Journal of Autism and Developmental Disorders, com famílias norte-americanas, no ano de 2008, constatou que o nível de estresse de mães de pessoas autistas se equipara ao estresse crônico de soldados combatentes que retornaram da guerra no Iraque ou no Afeganistão. Pesquisa realizada Josieli Piovesan, Silvana Alba Scortegagna, Ana Carolina Marchi, identificou a presença de níveis elevados de sintomas depressivos em sua amostra de 40 mulheres brasileiras, relacionados com o meio ambiente e renda.  Segundo pesquisa realizada com 180 mães chinesas de filhos autistas, e publicado na National Library of Medicine no ano de 2019, mães de crianças autistas geralmente exibem altos níveis de ansiedade e sintomas depressivos. De acordo com o estudo publicado na revista Plos One, no ano de 2014, mães de crianças com deficiência intelectual ou TEA apresentam mais que o dobro do risco de morte; 40% mais chances de morrer de câncer; 150% mais probabilidade de morrer de doença cardiovascular e quase 200% mais probabilidades de morrer de “infortúnio” (acidentes, suicídio, homicídio) do que outras mães.

Diante dos dados expostos fica claro que mães de pessoas autistas necessitam de um olhar acolhedor e cuidadoso pois se trata de uma parcela vulnerável da população, além disso, por se tratar, na grande maioria dos casos, das principais cuidadoras das pessoas autistas, a qualidade de vida de seus filhos sofre influência de sua condição de saúde, seja ela física ou psicológica.

 

O acolhimento de mães de autistas

 

Ao acolher mães de autistas é importante considerara que, essas mulheres podem estar emocionalmente fragilizadas em decorrência da sobrecarga do dia a dia e das adversidades que enfrentam, pelo preconceito e luta constante para que seus filhos tenham direitos respeitados, por isso é importante escutá-las empaticamente assim como incentivar o autocuidado das mesmas. O cuidado com a saúde física e psicológica dessas mães afeta positivamente o desenvolvimento de seus filhos e a rede de apoio exerce um papel fundamental para que essas mulheres consigam cuidar de si.

Faz-se importante também fornecer informações para que essas mulheres saibam como lidar com os comportamentos de seus filhos ou saibam onde procurar ajuda, caso necessitem, e assim se empoderem como cuidadoras.

A maternidade de crianças autistas pode ser extremamente desafiadora para as mães, que muitas vezes enfrentam uma dupla ou tripla jornada e lidam com cobranças internas e externas, além de terem que lidar com os desafios que a condição do filho apresenta. A falta de uma rede de apoio eficiente e o preconceito social também contribuem para dificultar a situação dessas mães. Portanto, é fundamental que haja acolhimento e suporte a essas mães, oferecendo-lhes recursos, orientações e apoio emocional para lidar com os desafios que enfrentam. É importante que se compreenda que essas mães precisam de cuidados também, e que, cuidando delas, estamos cuidando também das crianças autistas e da sociedade como um todo.

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